sexta-feira, 18 de junho de 2010

Thoughts

José Saramago morreu:

Por enquanto não me apetece escrever, vou publicando as mortes e nascimentos de escritores portugueses, coisas que interessam muito ao mundo dos vivos.
«Ah nunca mais vai haver alguém assim», isso são tretas vai haver mais Saramagos, Pessoas, Camões. O problema está na maior parte das pessoas não desenvolverem o seu espírito critico deixam-se levar pelo comodismo, numa aparente facilidade de viver. 
Sim acredito que um homem do lixo, o meu vizinho, um colega da faculdade ou do trabalho, pode ser um "Saramago" para isso basta apenas começar a questionar e escrever. O estilo? Opá não me fodam com o estilo!
Mas digo-vos a tarefa esta cada vez mais difícil, não vejo aparecer assim tão rápido um Saramago, porque não confio nesta geração sem identidade e quem não tem identidade não questiona nem inventa Baltasar Sete Sois e Blimunda Sete Luas. 
Conclusão: Não é fácil aparecer um Saramago, mas não é impossível, basta os homens e mulheres do lixo começarem a escrever.
 Até uma próxima Saramago!     
 

Poema à boca fechada 
Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,

Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:

Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,

Nem só animais boiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,

Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo
.

 
Fala do Velho do Restelo ao Astronauta 
Aqui, na Terra, a fome continua,
A miséria, o luto, e outra vez a fome.

Acendemos cigarros em fogos de napalme
E dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizemos de ti a prova da riqueza,
E também da pobreza, e da fome outra vez.
E pusemos em ti sei lá bem que desejo
De mais alto que nós, e melhor e mais puro.

No jornal, de olhos tensos, soletramos
As vertigens do espaço e maravilhas:
Oceanos salgados que circundam
Ilhas mortas de sede, onde não chove.

Mas o mundo, astronauta, à boa mesa
Onde come, brincando, só a fome,
Só a fome, astronauta, só a fome,
E são brinquedos as bombas de napalme.
 
Retrato do poeta quando jovem
Há na memória um rio onde navegam
Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas.

Há um bater de remos compassado
No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brancas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada.

Há um nascer do sol no sítio exacto,
À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Um ansiar de sede inextinguida.

Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história.
 
JOSÉ SARAMAGO Os poemas possíveis

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